quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Metade, poema de Oswaldo Montenegro!


Oswaldo Montenegro e seu poema maravilhoso, "Metade", um sentimento do "fundo" do coracao! Emocionante!

Metade (Oswaldo Montenegro)

Que a força do medo que tenho
não me impeça de ver o que anseio;

que a morte de tudo em que acredito
não me tape os ouvidos e a boca;

porque metade de mim é o que eu grito
mas a outra metade é silêncio.

Que a música que ouço ao longe
seja linda ainda que tristeza;

que a mulher que amo seja pra sempre amada
mesmo que distante;

porque metade de mim é partida
mas a outra metade é saudade.

Que as palavras que eu falo
não sejam ouvidas como prece e nem repetidas com fervor,
apenas respeitadas como a única coisa
que resta a um homem inundado de sentimentos;

porque metade de mim é o que ouço,
mas a outra metade é o que calo.

Que essa minha vontade de ir embora
se transforme na calma e na paz que eu mereço
e que essa tensão que me corrói por dentro
seja um dia recompensada;

porque metade de mim é o que penso,
mas a outra metade é um vulcão.

Que o medo da solidão se afaste
e que o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável;

que o espelho reflita em meu rosto num doce sorriso
que eu me lembro ter dado na infância;

porque metade de mim é a lembrança do que fui
a outra metade não sei.

Que não seja preciso mais do que uma simples alegria
pra me fazer aquietar o espírito
e que o teu silêncio me fale cada vez mais;

porque metade de mim é abrigo,
mas a outra metade é cansaço.

Que a arte nos aponte uma resposta
mesmo que ela não saiba
e que ninguém a tente complicar;
porque é preciso simplicidade pra fazê-la florescer;

porque metade de mim é platéia
e a outra metade é canção.

E que a minha loucura seja perdoada;

porque metade de mim é amor
e a outra metade também.

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